O tempo voa quando estamos nos divertindo.
Mas parece se arrastar quando estamos entediados.
Isso não deveria acontecer. Exceto com complicadas questões envolvendo a teoria da relatividade e coisas indo mais rápido que a velocidade da luz, o tempo deveria se passar sempre do mesmo jeito.
Mas não passa.
O que poderia parecer apenas uma questão de percepção... E, na verdade, é uma questão de percepção. Alterada. Intencionalmente.
Sabe aquela fila de banco que nosso relógio diz durar apenas 13 minutos, mas que parece uma eternidade? Sim, isso é exagero, mas, na prática, durante esses 13 minutos foram sugados pelo menos 50% a mais de tempo de vida do que o relógio de fato marcou. E é por isso que parece ser uma eternidade. Esse tempo que não passa está passando, nosso corpo está percebendo, e o incômodo é justamente porque o resto do mundo não está acompanhando.
As criaturas responsáveis por isso não tem nome. E isso tem um motivo. Elas não querem ser conhecidas. Pode-se dizer que não gostam de ser vistas. Na verdade, sua aparência nodosa, lembrando um tentáculo de polvo com "esporas extras", seriam deveras interessante e fariam com que qualquer observador ficasse admirado - ou, mais provavelmente, enojado - mas, de qualquer forma, não entediado.
E elas precisam do tédio. Precisam do ostracismo. Essas diversas esporas permitem que suguem esse tempo que parece não passar.
Elas não são criaturas inteligentes a ponto de inventarem a burocracia apenas para se alimentar dela. Na verdade são como ervas daninhas e "brotam" quando o ambiente é mais propício para se alimentarem. Tudo o que elas precisam para nascer é tempo desperdiçado... E um sistema de iluminação suficientemente adequado para sua pele lodosa e altamente reflexiva. O que permitem que permaneçam basicamente invisíveis. E as esporas que não estão sugando o tempo em torno delas, os permitem grudar em superfícies onde permanecerão imperceptíveis.
Isso na maioria das vezes. Elas não tem nome porque nunca foram vistas tempo suficiente para serem identificadas.
Mas se por acaso seu sistema de camuflagem falhasse, poderia-se perceber que se trata de uma grande cauda de um animal que não está lá. Não, não são a cauda, são todo o animal. A princípio, inclusive, inofensivo. Suas reações lentas, seu crescimento imperceptível e sua aparente invisibilidade faz com que o roubo de tempo que cometem passe tão desapercebido que eles poderiam sobreviver por milhões de anos sem que nunca sua presença fosse notada.
Mas isso porque na natureza eles se beneficiam de tempo ocioso. E há pouco tempo ocioso na natureza. Seu crescimento sempre foi pequeno, ínfimo, desprezível.
Até que a civilização humana, ah, sempre os humanos, permitiu que eles pudessem crescer mais. Se multiplicar mais. E qualquer botânico ficaria maravilhado - além de um pouco preocupado - se pudesse ver a densa vegetação nodosa que envolve uma repartição pública, um banco, uma casa de repouso para idosos.
Não há maldade nessas criaturas. Não há emoção. Há apenas a sobrevivência. E quando uma espécie se vê capaz de crescer com um suprimento quase infinito de recursos, aí podemos ter um problema. Porque o quase infinito se tornará finito, quando a criatura que se alimenta de tempo começa a precisar de cada vez MAIS tempo para alimentar o corpo cada vez maior.
E é o que dá início a série de mortes - aparentes infartes fulminantes - nas filas por todo o país. O envelhecimento precoce de quem entra numa fila com 62 anos, e sai de lá com 20 anos a menos do que ainda teria de vida. Se a expectativa era chegar aos 80, basta fazer as contas e perceber, horrorizado, que talvez a expectativa de vida humana poderia ser bem maior, se não tivesse tanto dessas coisas crescendo desregradamente por aí.
E que a melhor forma de acabar com elas é não se permitir o tédio. É aproveitar cada minuto. É matá-las de inanição - não, isso seria cruel demais. Talvez apenas submetê-las a um regime forçado e com isso, uma reeducação alimentar, de forma que possam sobreviver, sim, bebendo do tempo que estão desperdiçando... Mas sem TOMAR de quem ainda pretende gastá-lo...
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